Fechado para balanço
Mas que
ódio! Será que essa vizinha não poderia colocar essa música mais baixa? Adoro
Chico Buarque, mas hoje é um daqueles dias em que preciso de calma, paz e
absoluta tranqüilidade.
Quarenta
anos! Velha para os jovens e jovem demais para os velhos. Gostaria, neste
momento, de ser uma loja, onde colocaria na porta do meu coração uma placa
dizendo: Fechado para Balanço. Sim, fechar para balanço geral. Tirar a
poeira, mudar os funcionários, melhorar a fachada, ver os ganhos e perdas de
toda a minha existência.
Começo
agora a fazer uma retrospectiva de toda a minha vida. Bem, não propriamente da
vida toda e sim dos grandes casos de amor que dela fizeram parte.
Antes,
com licença, vou acender um cigarro, faz um mal terrível para a saúde, mas
muito bem para a ‘cuca’. Mas será que dona Maria não vai diminuir o volume
desse som? Eu preciso pensar!!!
... o
primeiro me chegou como quem vem do florista, trouxe um bicho de pelúcia,
trouxe um broche de ametista...
O primeiro homem foi Léo, o poeta. Na força de seus 22 anos, tudo me dava. Eu era
sua rainha, sua deusa, sua vida. Seu modo de amar era puro, lindo. Mas chegava
a sufocar com suas maravilhas, seus sonhos de amor, suas músicas. Léo favorecia
totalmente meu ego. Eu era admirada, amada. ... mas não me negava
nada e assustada eu disse não...
Léo
passou1 Ficou apenas naquele livro de poesias, que ele me deu, uma rosa amarela
com um cartão que dizia: me perdoe por te amar tão de repente. Um lindo
sonho de amor que pouco acrescentou.
Dona
Maria insiste com a música. Dá vontade de estrangular gente que acha que todo
mundo deve ouvir a mesma canção.
... o
segundo me chegou do bar, trouxe um litro de aguardente, tão amarga de
tragar...
Pedro, o segundo homem. Apareceu de
repente. Homem vivido, sofrido. 32 anos de erros e acertos. Queria apenas que
eu fosse sua hoje. Precisava saber tudo sobre o meu passado, meus homens,
minhas experiências. Pedia boa comida, amor desmedido e sem sonhos. E eu que
estava só, carente, morte, me senti renascida por esse amor brutal que me
queimou por inteira. Pedro não sabia se dar e...arranhou meu coração, mas
não me entregava nada e assustada eu disse não. Não, não, mil vezes não!!!
A única
recordação de Pedro foi um litro de ‘51’, quase vazio, que por esquecimento
ficou em cima da geladeira, como se dissesse: o nosso amor foi um sonho
passageiro.
Depois
surgiu Roberto, que da mesma forma como explica a música, não trouxe nada, não
exigiu e tão pouco perguntou. Com a experiência dos seus 42 anos, chegou firme,
com certeza, sabendo o que queria. Roberto era o homem que me faltava, não era
perfeito, mas era real. Me fazia mulher. Chegou aberto, profundo, me fez
crescer e conhecer coisas que eu jamais pensei existir.
E eu que
estava acostumada a fumar ‘Charm’, senti o gosto amargo do ‘Hollywood’; e eu
que gostava de Gilberto Braga, senti a beleza da novela cotidiana na qual eu era
atriz principal.
Roberto
respeitava acima de tudo o meu modo de ser, minhas incoerências, minhas
derrotas, meu partido político, minhas vitórias. Era o todo imperfeito que se
encaixava na minha parte perfeita, para sermos um só. Seu perfume, seu cabelo,
suas roupas, sua barba mal feita, suas marcas, seus sonhos, tudo me foi
entregue. Meu corpo, minha espera, meus desejos, minhas notícias, minhas
alegrias, minhas frustrações, tudo entreguei.
...
foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não, se instalou feito um
posseiro dentro do meu coração...
Tento
encontrar o objetivo de tudo isso. Sou mulher, com erros e acertos de qualquer
ser humano. Sou gente e como tal, mereço confiança. Luto por meus direitos, mas
não perco por nada a minha sensibilidade. Tenho um sonho: ser feliz; me agarro
a isto como meta principal. Sei que a mulher é um ser inteiro, que precisa
galgar espaços a procura de um mundo mais justo. Mas não quero de jeito nenhum
perder o direito ao amor. Quero ser respeitada e amada. E vou continuar lutando
para encontrar alguém que me aceite e me faça mulher total.
Depois de
um maço e meio de cigarros e tantas lágrimas vencidas e reclamações interiores,
agradeço a dona Maria por ter deixado tão alto o som e ao gênio Chico por ter
feito esta canção, afinal eles me ajudaram sobremaneira o meu balanço.
Relembrei de coisas que me fizeram incrivelmente feliz.
Hoje
quero viver. Explodindo com todo o meu conhecimento e minha
sensualidade. Só! Mas com força e garra para reagir. Sabendo qual é o meu
espaço. Esperando talvez, o quarto homem, nem tão poeta, nem tão senhor, nem
tão razão...esperando... esperando sempre... esperando amar o amor.
Hoje me
resta o depois... mas o importante é estar atenta para todos os detalhes antes,
cuidar, amar, sorrir, se dar, antes. Para que um dia, mesmo no fim de qualquer
caso distante o infinito permaneça com a certeza de que existiu algo de bom.
Mas, por enquanto... Fechei para Balanço!!!
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