O Zé me deu uma flor


A tarde corria lentamente... Um paradoxo no tempo de espera e de sonhos. O encontro aconteceu sem nexo ou lógica.

Ele surgiu de repente. Meio cambaleante, mas com a firmeza de ser o dono do espaço. 

Na calçada, a flor jogada... abandonada. O homem bonito, com o rosto cansado pelo sol e marcado pela dor, recolhe a joia preciosa.

Os passos são marcados e arrastados. Um jeito trôpego. Mas decidido em sua valentia.

A rua era sua casa. Vivia sem portas, e muros, porém mostrava sua alma em uma janela emoldurada. Um invisível na sociedade do ter. Um excluído com a certeza de não ser.

Assisto a tudo e tento entender o movimento. Ele se aproxima cuidadosamente e, com um sorriso no olhar, me oferece a flor. Desapegado de regras e com a convicção dos fortes enfrenta o desafio de um encontro.

Num segundo, mesmo surpresa e emocionada, aceitei  o presente valioso. Aquele desconhecido brincou com o meu afeto adormecido. Se fez presente e não teve receio da rejeição. Tinha a certeza da cumplicidade.

Com a sobriedade de um sonhador, perguntou o meu nome. Embaralhando as palavras fez um breve discurso sobre a  cor dos meus olhos. O poeta ébrio se fez notar.

Ainda tonta e perturbada com o ineditismo da cena, demonstrei minha gratidão. A conversa foi rápida, palavras desencontradas e olhar profundo. Na despedida, um beijo na mão. Comovida acompanhei sua partida vitoriosa em busca de outra aventura.

E, no primeiro dia de Primavera... O Zé me deu uma flor.











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