O esmalte da menina

 Lembro da primeira vez que fui a um 'salão de beleza' para fazer as unhas. Me senti poderosa. Desbravando um mundo novo com a altivez dos meus 13 anos.

 Minha mãe me deu "doze dinheiros", o trabalho custava dez, e  tinha a recomendação expressa de dar dois de caixinha.

  Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. A manicure gentil mostrou os esmaltes e pediu para escolher a cor. Um novo mundo se apresentava e tinha que decidir.

 E comecei a ver nomes: fog, areia, zaza, rosa antigo, renda, vermelho, vinho, e o branco leitoso. Este último, que era moda na época, hoje está praticamente descartado... mas ainda tenho vontade de arriscar.

 Após o trabalho realizado, voltei para a casa com a mão rígida, temerosa e com cuidado para não borrar a obra de arte. A alegria estava estampada no meu rosto. Um peculiar universo se apresentava e não tinha ideia das grandes transformações que estavam acontecendo naquele período.

 As recordações chegam de forma atabalhoada. Não vem de forma lógica e não seguem um padrão no raciocínio. Fecho os olhos e consigo ver a adolescente vibrando com a vitória do desejo realizado. Consigo reviver  o momento, lembro das ruas por onde passei e sentir o doce carinho de um ato tão simples e marcante.

 Na onda da mudança de comportamento, as mulheres deixaram os tons pastéis e ousaram  com cores mais fortes para enfeitar  e enfrentar a dureza de muitas decisões. Parecia dizer: "estou aqui".

 Quando jovem, minha mãe também foi manicure. Ela não ia ao salão, mas toda sexta-feira seguia um ritual. Pegava a caixa de madeira, com as divisões idealizada pelo meu avô, com seus alicates, esmaltes (sempre da mesma marca), espátula, algodão, base e o seu grande aliado: o óleo secante. Ela gostava de usar vermelho, nas mãos e nos pés. Fato que recebeu elogio da médica no leito do hospital, no seu último mês de vida.

 Saio do meu transe, ao perceber  as meninas na loja animadas com tantas cores e brilhos. Me entrego a essas reminiscências em longas reflexões.

  Hoje. existem blogs, grupos de discussão e verdadeiras confrarias para falar de esmaltes e novas tendências. Praticamente todo mês surge um lançamento e uma nova cor. As manicures de bairro tiveram que se aperfeiçoar e criar decorações diferenciadas para dar um toque especial.

 Porém, no meu íntimo, tenho que admitir que por legado, saudade e respeito tento seguir a tradição, para tentar ter ao meu lado  e me dando a direção...as lindas mãos de minha mãe.



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