Reclamação
Começou como a maioria das histórias de
amor. Após muitos olhares profundos e frases de cumplicidade, nos encontramos.
Era uma noite de inverno. A temperatura fria nos aproximou.
Primeiro o toque das mãos, que
freneticamente buscava o reconhecimento dos dedos, da pele... Depois, o abraço
e roçar dos lábios. Assim, iniciava um namoro, que nasceu com o destino de ser o
mais bonito de todos.
Lembro com saudade do frio de Parati. Fazíamos
planos bebendo vinho à luz de velas. Cantamos juntos as mais lindas canções. E
usando Tom Jobim, ele se declarou: “Minha bem amada quero fazer de um juramento
uma canção. Eu prometo por toda minha vida ser somente seu e amar-te como nunca
ninguém jamais amou...” Agasalhávamos o mundo com nossa paixão.
Na primavera nossa estúpida cara de
felicidade era uma constante. Tudo um motivo para comemorar. De pizza de muçarella ao jantar no chinês, nossa vida passava a ser uma
festa eterna. Caminhávamos pela praia afrontando e exibindo a alegria dos
predestinados.
O calor de nossa cidade não impedia nossas
longas despedidas. De repente, os meios de comunicação avisavam: “adiantem em
uma hora os seus relógios, pois começa hoje o horário de verão”. Tive um ataque
de indignação, afinal alguém estava nos tirando uma hora de felicidade.
Ele, com o olhar mais meigo que já existiu
e demonstrando seu modo prático de viver, começou a rir e respondeu: “pense no
lado bom, daqui a três meses teremos uma hora a mais para nos amar”. Sorri, e
naquele momento suas palavras me consolaram. Mas, algo me incomodava.
A estação que seduz me permitia abusar dos
decotes. O rosto bronzeado me fazia crer que eu era a mais bonita. Estranhamente,
apesar da praia de domingo, da cerveja gelada e dos dias claros, minha carência
cobrava interiormente aquela hora.
Porém, como a vida não é um folhetim, que
sempre oferece um final feliz, tudo terminou três dias antes da mudança do
fatídico horário de verão. Me senti no
chão. Plagiando os dramalhões mexicanos chorei muito, pensei até em
morrer...
Fui buscar proteção na música que sempre
caminhou ao nosso lado. O juramento feito por meio da canção do Jobim não mais
existia. Ivan maltratava “como esse amor pode ter fim? Já tens meu corpo, minha
alma, meus desejos. Se olhar pra ti, estou olhando pra mim mesmo. Fim da
procura, tenho fé na loucura de acreditar que sempre estás em mim”.
Quem devolverá essa hora de felicidade? Não
existe nada que me proteja no código do consumidor?
Fui à loucura. Meu sonho desmoronou tal
qual as folhas no outono. Sei apenas que estão me devendo uma hora de amor. A
quem posso reclamar?
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