O adeus de Tereza


Sempre fui apaixonada por livros. Gosto do aroma ao folhar as páginas e desvendar segredos.


No final dos anos 60, toda a família mais abastada, tinha na estante da sala a Enciclopédia Barsa. Sinônimo de poder e cultura. Mas isso é uma discussão sociológica, que não cabe nessa reflexão.

Eu sonhava, na minha adolescência,  em ter esse tesouro. Mas, não era possível. Lembro de consultar suas páginas na biblioteca do colégio e na casa de uma amiga, onde fazíamos os trabalhos escolares.


Numa tarde comum apareceu na escola um vendedor de livos de bolso. Ele apresentava pequenas coleções com três exemplares, capas metalizadas nas cores lilás, amarela e vermelha. Fiquei encantada.


Cheguei em casa, corri para pegar a latinha na qual guardava minha pequena fortuna, acumulada com  agrado de minha família. Contei o dinheiro e ainda faltava muito. Com jeitinho, pedi para a minha mãe completar. E assim, consegui o valor necessário.

Orgulhosa, comprei a preciosidade. Intimamente sempre soube que, na verdade, eu queria ter uma coleção de livros. Com 12 anos eu tinha uma antologia poética de Castro Alves. Confesso, que no primeiro momento, nem pensei no autor e sim na importância de ter um repositório de emoções.

Com a delicadeza que eu não tinha, comecei a folhear lentamente. E, de repente apareceu: 



"A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala

"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala..."



Fiquei inebriada. Pela primeira vez achei meu primeiro nome interessante, importante. (Sempre gostei muito de Cristina, que era assim que os mais próximos me chamavam. Eu achava mais suave,  mais terno).

A poesia tinha ritmo, sonoridade... decorei de tanto ler. Copei no caderno e mostrava para todos. Devo ter aborrecido muita gente pedindo para ler a Tereza de Castro Alves. Até a professorinha de Português achou estranho a minha paixão pelo autor. Talvez,  na ilusão de menina, eu pensasse que era para mim. Que aquela Tereza do poeta, era eu. 

Cresci. Muitos desejos não realizados, muitas conquistas, frustrações, alegrias e desilusões. Até Manuel Bandeira brincou com meu delírio. Porém, não tirou de mim a ilusão, mesmo afirmando que Tereza tinha pernas estúpidas.


Não tenho mais a preciosa coleção e muito menos as fantasias da menina apaixonada. As rimas marcaram minha existência e foram determinantes em minha história.

Hoje, a recordação veio forte, marcando cadenciadamente o meu dia. O passado e o presente mandam um recado cruel.

E, quem sabe, um dia ... Um trovador urbano, me olhe, me reconheça, me enfeite e em um gesto de loucura me leve,  pelo menos uma vez, a rodopiar... valsando ao som do tempo.








Comentários

  1. Lindo demais, parabéns Tereza

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  2. Tereza sempre fez e faz, do texto, um mergulho, lógico e fiel em seu próprio Ser. Sem o transformar em uma cela dourada a lhe aprisionar.

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