Depois da linha da máquina

Lembro do estranhamento da primeira vez que estive em Santos. Minhas primas falavam de ir ao Canal 4 e depois visitar a tia que morava no  Canal 5. Como assim?


    Com meus cinco anos de idade as emissoras de TV, Tupi e Paulista, que eu assistia em São Paulo, eram a referência. O que elas estão falando?

      A angústia não durou muito,uma brincadeira na praia, um banho de mar e assistir o jogo de tamboréu me fizeram esquecer logo a situação. Afinal, o biscoito Praiano matou a minha fome e a queijadinha adoçou o dia.

      Durante minha infância, mais visitas, mais praia, mais farra. Fui crescendo e ir à padaria era uma loucura. Só em Santos eu podia comer média e pão de cará, que não é preparado com o tubérculo. Meu tio comprava muitos pães para a turma toda e gastava uns dez mangos. 

       Qualquer turista era paulista e tudo podia ser resolvido em dois palitos. Mas, se você ficasse nervoso, com certeza iria parar no Anchieta, diferente do Rio de Janeiro lá você ficava no pinel.

        Recordo  da minha prima que ficou de castigo porque bolou aula. Não tive a mesma coragem, e levei a gíria para Sampa. E falando em escola, tomei uma bronca da professora, porque usei o tu no lugar de você.

       Não sei bem como foi, mas uma tarde vivi para uma aventura radical:   andar de catraia. Para não ficar com medo, logo veio o incentivo após o passeio "vamos ao Joinvile e tomar uma raspadinha." 

       Depois de um tempo, mudei para Santos. Fui morar pertinho do Super Centro e acreditem não me perco no local. Conheci de perto o bairrismo, melhor dizendo a paixão pela Terra. Afinal é a cidade do Pelé, e daí que ele é mineiro? Bobagem.

        Na adolescência eu acho que a gente não escolhia um filme para assistir e sim um cinema. Eram tantos. Tinha a sessão no Caiçara, a entrada era um cruzeiro e podíamos passar a tarde com dois sucessos seguidos na tela. E para terminar o sábado, o prazer de uma banana split na lanchonete suspensa do Eldorado. O nome do supermercado já mudou, mas alguns ainda o chamam pelo antigo nome.

       Tudo foi incorporado na minha forma de ser. O tu faz parte de mim. Sinto saudade da disputa entre os colégios para vencer no desfiles de bandas e fanfarras, além de torcer pelo time faculdade no Jubas. De andar pelo jardim da praia e escutar alguém cantando Andança. Mas é bom que não venha o vento noroeste, que começa de repente e faz de cada palmo da cidade um caldeirão fervente.    

       Porém, hoje me dei conta que uma expressão que uso frequentemente vai sumir... Não poderei  mais dizer: a rua fica ali, passando a linha da máquina... O progresso acabou com a minha indicação de sentido. E resgatou uma saudade latente.




Comentários

  1. Que legal!! Viajei no tempo ... Mesmas sensacões , emoções ... bjs Te Cris ,obrigado pelo passeio, ;)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Compartilhar/ Curtir

Fim do pesadelo

Nossa! Daqui a pouco é Natal