Feli(z)Cidade

     Se a televisão brinca com o imaginário coletivo. 
  Se os paradigmas da existência lutam contra o poder vigente, para ela, nada importava. 

   As teorias da indústria cultural e cultura de massa, tantas vezes debatidas na universidade, tornaram-se banais. Afinal, queria ser feliz. E, por 30 anos desejava participar daquele espetáculo majestoso.

  Lutando por uma sociedade igualitária, embarcou na loucura de passar horas dentro de um ônibus, onde pessoas totalmente desconhecidas tinham a esperança como algo a ser dividido. 

    Durante todo o percurso parecia anestesiada e sabia que só recuperaria os sentidos no domingo, 18 horas. Nem a paisagem da Cidade Maravilhosa desviava a sua atenção.

Ao chegar ao palco de seus desejos, subiu confiante a arquibancada como se galgasse os degraus de um palácio quimérico. Seus olhos brilhavam tanto que podiam, sozinhos, iluminar todo o ambiente.
       
     E aí começaram a desfilar as personagens tantas vezes cantadas. Eram índios, guerreiros, vagabundos, damas, artistas, reis... Todos iguais... Unidos numa só voz. Apesar da alegria contagiante, chorou por várias vezes.


   A bateria marcava cadenciadamente as batidas do seu coração. O verde e rosa de sua roupa faziam parceria ao samba, que, com justiça, homenageava os baianos.

      Por vezes, pensou ser a destaque da Portela, em outros momentos era a rainha da bateria. Ou, apenas, mais uma que se juntava a toda aquela massa que ganharia o carnaval.

            Cada aplauso parecia ser somente seu. “Deixar essa cidade louca, com água na boca na Sapucaí”, repetia o refrão. E tudo se transformava em um tapete de esperanças, uma utopia real.

            Talvez tenha sido a mão de Deus que inspirou tanta beleza. Era certamente o perfume mais inebriante que já havia sentido. Podia, nesse momento, levitar ou, quem saber, operar algum milagre. Estava em estado de graça, e apesar da agitação ao seu redor, a paz foi finalmente vivida.

            Pegou o bonde, passou no boulevard, foi à França, virou amante dos poetas, predileta dos sambistas. Tornou-se enredo da Portela, destaque da Vila e passista da Tijuca.

           De repente, mesmo presa aquele pequeno grande espaço que ocupava, deixou de ser uma anônima porta-bandeira e rodopiou com seu mestre-sala fantasioso por cima de toda aquela avenida.

Era, sim, naquele momento, uma mulher feliz. E, ao olhar um daqueles carros alegóricos imaginou ver o seu príncipe. Aquele por quem esperou por tantos carnavais. E cantou bem algo, para o povo inteiro ouvir: “me leva que eu vou, sonho meu...”










* fotos: Te Cris

Comentários

  1. Ah, que doçura de texto! Me apaixonei, de verdade. É tão bom se sentir nas nuvens em um ambiente musical, colorido e diverso como esse...

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